domingo, 28 de novembro de 2010

Déjà vu;

- Sabia que eu vivo tendo déjà vu contigo?
- Déjà vu?
- Sim, aquela impressão de que você já viveu antes aquela mesma coisa. Eu tenho quando falo contigo o tempo todo, sei lá. É como se de alguma maneiras as besteiras que eu estava dizendo agora eu já tivesse dito antes da mesma maneira, como se eu me repetisse e repetisse incessantemente. E isso me assusta. Me assusta pensar que já vivi o que dava pra viver contigo e o que vai vir pela frente não passa de passado mascarado. Não que eu me importasse de reviver o passado, não, não me importa ficar pra sempre presa no mês de fevereiro, nem um pouco. Me importa não ter nada mais pra te mostrar, ou dar, ou fazer. Que meus gestos sejam todos previsíveis, que não te causem mais arrepio, que minha presença seja como uma sombra e que minhas palavras sejam déjà vu pra sempre. Me assusta que você se canse. E que você vá embora se cansar.

Permitam-me;

Me deixem escrever! Me deixem escrever pra vomitar essa vontade louca de dizer "sim, eu me importo". Me deixem, porque a minha boca não traduz o que há dentro do meu peito.

René Magritte - Perspicácia

sábado, 27 de novembro de 2010

Olhos;

Agarrei o primeiro par com meus membros disformes e coloquei-os em minhas órbitas vazias. O mundo agora retomava suas formas conhecidas, retorcidas e sujas. Animais rastejavam por entre os cantos, esgueirando-se por entre orifícios e frestas, acuados pela fraca luz de um candelabro. Deslizei, assim como eles, em direção ao velho espelho empoeirado, firmemente preso em sua moldura de ferro, estático e impetuoso em sua sinceridade muda. O primeiro par que escolhi para meus olhos era verde, pude perceber assim que aquela íris estranha e nova encontrou-se com sua gêmea em seu reflexo. Eram verdes porque lembravam os campos claros e seus gramados banhados de luz, quem quer que olhasse-os perceberia. No entanto, parecia óbvio não serem aqueles meus olhos, eu jamais poderia transmitir tanta paz a um outro enquanto minha alma fervilhava em auto-flagelação e, apesar de poder, não escolheria algo que não me refletisse tão perfeitamente quanto o grande espelho a minha frente. Voltei à caixa de onde havia retirado os olhos e escolhi um segundo par, logo vestindo-os em meu rosto. Azuis, de uma cor que lembrava o céu do meio dia, uma claridade serena, penetrável e sincera. Qualquer um que olhasse olhos tão pacíficos embargados de lágrimas se comoveria. Mas eu não desejava comover a ninguém com lágrimas. Olhos tão belos jamais poderiam ser meus olhos, jamais revelariam a fúria em minha tristeza e a inflexibilidade do meu ser. Retirei-os logo e pude finalmente vestir o último par que restava na caixa e ao olhar no espelho, não tive dúvidas, eram aqueles meus olhos. Negros, de uma cor tão escura que sugava toda a claridade que neles incidisse. Tive certeza porque eles não me lembravam nenhum lugar do mundo, porque quem os olhasse não se sentiria mirando campos ou céus, só a mim. Tive certeza porque se chorasse, ficariam emoldurados por veias vermelhas, inquietantes, e apenas nesta mistura vermelho-negro seria possível entender a minha raiva por estar derramando aquelas lágrimas. Porque as palavras que saem da minha boca não são agradáveis, a minha presença é nervosa e meu ser é imoldável. Porque o negro em sua ausência de significado, me reflete.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Voltando;

Clichê. Mas porque não começar assim? Irritam-me as pessoas que fogem ao óbvio pelo simples fato de ser óbvio. Portanto, comecemos por um clichê, e talvez o que você venha a ler aqui seja uma sucessão destes, logo, esteja pronto para o de sempre, e acredite no poder de uma história já contada.